quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A moça dos olhos grandes sentada na porta da lojinha de bijuterias

"Eu, particularmente, teria dito alguma coisa sobre a moça dos olhos grandes sentada na porta da lojinha de bijuterias. Eu achei bonito isso. O que será que aqueles olhos veem ali todos os dias?" - Palavras da Déia (esse texto escrevo para responder esta pergunta)

As seis da manhã toca o rádio relógio. Ela levanta com certa preguiça e caminha pelo quarto esticando os braços. Abre a janela e contempla o céu: está claro e os primeiros raios solares já começam a surgir. Sorri para o dia.
Meia hora mais tarde ela está trancando o portão da pequena casa e, segundos depois, caminhando pela rua. Esta permanece calma e silenciosa e todos os moradores ainda dormem. Não será assim no fim do dia, quando carros, ônibus e pessoas passarão agitadamente umas pelas outras sem se verem e sem verem para onde andam. Ela gosta desse silêncio, dessa imensidão de asfalto por onde anda sem que ninguém a veja. Mas ela vê tudo com calma. O silêncio lhe permite ver além do asfalto.
A caminhada acaba quando ela chega na porta da loja de bijouterias onde deve entrar dali a meia hora. São sete horas no momento e ela está sentada na calçada em frente a porta do loja olhando o vazio da rua. Passa um ônibus. Dentro deles vários operários, lojistas, trabalhadores em geral se mostram para a rua. Parecem exaustos em plena segunda-feira. Alguns dormem, outros lêem jornais ou revistas. Ninguém parece vê-la. Mas ela também não vê ninguém.
Os minutos passam e ela continua sentada. Seus olhos estão fixos em qualquer movimento que se passe do outro lado da rua e ela não perde nada, exceto quando o ônibus passa e a impede de ver o outro lado. Mas o outro lado permanece silencioso e intacto. As casas fechadas, os jardins florescendo, o dia acordando. Silêncio. E mais silêncio.
Ela não se move. Seus olhos grandes não piscam e, se existe ainda esperança na terra, ela a tomou toda para si. Os minutos seguem impacientes e os primeiros moradores acordam. Sete e quinze. Ela continua a olhar. Agora está um pouco mais nervosa e começa a esfregar as mãos uma na outra, mas sem desviar seus olhos. Algumas pessoas passam por ela, mas é como se nunca tivessem passado. Um cachorro late, mas ela não ouve. Os passáros começam a cantarolar e outro ônibus atravessa sua vista. Uma lágrima escorre-lhe dos olhos. Ele não apareceu.
O dono da loja chega e a convida para ajudá-lo a abrir as portas. Ele não sabe porque ela está sempre ali. Foi assim desde quando a contratou há três meses atrás. Ele a julga uma boa funcionária. Pontual e silenciosa. Isso lhe basta. As portas se abrem e ela entra, mas antes, para e volta a olhar ainda mais uma vez. São sete e meia. Não há mais o que esperar. Ele realmente não aparecera. Ele nunca mais apareceria. Ela sabia disso, embora se recusasse a acreditar.
Suspirou fundo e enxugou a segunda lágrima que caia. Olhou o portão da frente e relembrou com carinho do último beijo que ele lhe dera, antes de partir para aquele país distante do qual ela se recusava a saber o nome. Ele disse que talvez voltasse ou talvez não. Tudo seria novo dali pra frente. Ele achou que era melhor que se esquecessem. Mas ela não sabia como. Se ele voltasse estaria ali, sairia para trabalhar as sete e quinze e ela o veria, correria para seus braços e nunca mais o deixaria ir. Mas ele não estava lá.
Entrou na loja e começou a trabalhar. "Amanhã sempre é um novo dia!", pensou e, sorrindo, começou a limpar as prateleiras da loja e a atender suas primeiras clientes. Seria sempre assim, ela já sabia. Sorriu para o dia outra vez.

2 comentários:

Deia disse...

Oi, Nani! Vc pinta no papel. É possível ver as coisas que vc descreve, sabia? Só achei que vc meio que forçou o final e não era necessário. Só o fato de ela estar sempre sozinha no meio de tanta gente e o fato de o mundo ser sempre tão cheio, mas ela ter a chance de ter uma manhã que, de certa forma, é só dela, garante uma boa história. Acho que vc tirou o foco dela pra colocar num rapaz que foi embora e eu não achei justo! rsrs
Por onde vc anda, hein? Nunca mais te vi na faculdade...
bjs!

Mayara Novais disse...

O texto é lindo!
Existe uma doçura em cada detalhe e é emocionante!
Fico pensando o que ocorreria se ele voltasse...Talvez a espectativa da volta seja melhor do que a volta em si...Bem que você poderia dizer isso em uma continuação do texto!xD

Bjo